EJA AS A COMPENSATORY OR EMANCIPATORY POLICY? A Debate on Social Justice
Autor: Radamese Lima de Oliveira
RESUMO: A Educação de Jovens e Adultos (EJA) surgiu concretamente como contrapartida às desigualdades e a exclusão histórica que marcaram o acesso à escolarização, sendo concebida, no seu nascedouro, como uma política de reparação orientada ao enfrentamento das exclusões oportunizadas tanto pela evasão quanto pela negação do direito à aprendizagem. Posteriormente, esta modalidade foi apropriando-se de uma perspectiva emancipatória, marcada pela formação de sujeitos críticos, conscientes dos seus direitos e valorizados em sua história de vida pessoal e social. Nesse processo de transição, a EJA assume um caráter paradoxal: busca ao mesmo tempo corrigir as injustiças do passado e trazer para o presente um impulso para transformações. Falar de EJA significa, portanto, falar de um campo em que as políticas públicas são demandadas para realizar a justiça social, a dignidade humana e o pleno exercício da educação na definição da autonomia, do reconhecimento e da cidadania humana. Objetivo geral busca analisar se a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma política compensatória ou um veículo emancipatório para a realização da justiça social. A pesquisa é de abordagem bibliográfica e qualitativa, baseada na análise de livros acadêmicos, legislações formuladas e documentos oficiais sobre Educação de Jovens e Adultos. Amparada em teóricos como Freire, Arroyo e Gadotti, a pesquisa entende a educação como prática libertadora e construção coletiva do saber. A análise procura os discursos, intenções e contradições que atravessam a EJA, revelando, assim, de que modo suas práticas se coadunam ou se opõem à lógica compensatória, congestionando-a a um horizonte de transformação e equidade. Apesar dos limites impostos por políticas imprevisíveis e a escassez de investimentos, a EJA reafirma-se como um espaço que representa reconhecimento, resistência e luta por justiça social.
Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos; Políticas Públicas; Justiça Social; Emancipação.
ABSTRACT: The Education of Youth and Adults (EJA) emerged as a concrete response to the historical inequalities and exclusion that marked access to schooling in Brazil. Initially conceived as a compensatory policy, it aimed to repair the educational gaps resulting from school dropout and the denial of the right to learn. Over time, however, EJA has embraced an emancipatory perspective, focused on forming critical individuals who are aware of their rights and value their personal and social histories. In this process of transition, EJA acquires a paradoxical character: it seeks both to correct the injustices of the past and to inspire transformations in the present. To speak of EJA, therefore, is to speak of a field where public policies are called upon to materialize social justice, human dignity, and the full exercise of education as autonomy, recognition, and citizenship. The general objective is to analyze whether EJA functions as a compensatory policy or as an emancipatory vehicle for achieving social justice. The research follows a bibliographic and qualitative approach, based on the analysis of academic works, legislation, and official documents concerning the Education of Youth and Adults. Supported by theorists such as Freire, Arroyo, and Gadotti, the study conceives education as a liberating practice and a collective construction of knowledge. The analysis seeks to uncover the discourses, intentions, and contradictions that shape EJA, revealing how its practices either align with or resist the compensatory logic, projecting it toward a horizon of transformation and equity. Despite the limits imposed by unstable policies and scarce investment, EJA reaffirms itself as a space of recognition, resistance, and struggle for social justice.
Keywords: Youth and Adult Education; Public Policies; Social Justice; Emancipation.
INTRODUÇÃO
No Brasil, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) se firmou como um recurso que busca curar as feridas profundas abertas pela exclusão social e pela desigualdade, que impediram que grandes setores da população pudessem ter acesso à escola e permanecer nela. Inicialmente, a EJA foi concebida como uma política de correção, a partir do direito à educação negado e dos efeitos da evasão escolar, ao longo do tempo, passou a envolver também uma dimensão emancipatória, em um viés crítico, que considera o diálogo e as experiências vividas dos sujeitos. Essa nova configuração deu à EJA espaço para a reconstituição de trajetórias e para a afirmação da cidadania. Assim sendo, pensar sobre a EJA é conhecer o lugar da educação, como um instrumento de justiça social e da dignidade humana.
Analisar a EJA sob o prisma das políticas públicas é fundamental para perceber como o Estado tem dado resposta às exigências históricas de equidade e inclusão educacional. Essa emergência vai muito além da reparação de lacunas do passado, alcançando o campo simbólico da emancipação e da transformação social. A EJA significa um espaço onde aprender é um ato político, recuperando a confiança e a pertença de sujeitos antes excluídos, mais do que um direito recuperado, é um caminho de reconhecimento, diálogo e recuperação da autonomia. Refletir sobre sua importância é reafirmar o compromisso ético e humano da educação com a superação das desigualdades e a construção de uma sociedade mais justa e participativa.
A pergunta central deste estudo é se a EJA ainda é uma política compensatória ou se este espaço se configura como um caminho de emancipação e justiça social? Adota-se aqui a hipótese de que a EJA, por um lado, ainda possui características de política compensatória, mas por outro lado há um movimento crescente de ressignificação rumo à práticas pedagógicas libertadoras, evidenciando-se em ações educativas que fortalecem o protagonismo dos estudantes e reverenciam a pluralidade de suas histórias de vida. Quando entendida no interior da pedagogia freireana, a EJA pode ultrapassar o caráter de mera reparação e tornar-se um espaço de resistência, reflexão, transformação. Dessa forma, compreender a concretude da EJA é também – e ao mesmo tempo – concluir sobre o papel da educação na reconstrução de vidas e nas relações sociais humanizadas.
O objetivo geral busca analisar se a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma política compensatória ou um veículo emancipatório para a realização da justiça social. Objetivos específicos dentro desse artigo:
- Compreender os fundamentos teóricos que conferem à EJA o caráter de política compensatória e o de proposta emancipatória.
- Identificar a forma com que as políticas públicas brasileiras têm servido de alicerce à EJA, ao longo das últimas décadas.
- Discutir de que forma as práticas pedagógicas da EJA manifestam tensões entre as dimensões da reparação e da emancipação.
Esta pesquisa se insere no debate educacional ao evidenciar que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é algo além de mera reparação de trajetórias interrompidas, sendo um espaço de emancipação e recriação identitária. A análise demonstra que, se adequada por políticas públicas preocupadas com a equidade, a EJA pode ser um dos elementos constituidores de transformação social. O trabalho oferta subsídios teóricos e reflexivos a gestores, educadores e formuladores de políticas, reiterando a necessidade de práticas pedagógicas dialógicas e inclusivas e ampliando a compreensão sobre o papel da educação como direito humano inalienável e como ágora efetiva de justiça social. Assim, o estudo reafirma a EJA como um território de resistência, valorização da experiência e de afirmação da dignidade humana.
- ENTRE REPARAÇÃO E LIBERTAÇÃO A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS COMO CAMINHO PARA A JUSTIÇA SOCIAL
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem um papel peculiar e ambivalente na história da educação no Brasil, pois é o reflexo das desigualdades estruturais, é também a possibilidade de superá-las. Em seus primórdios, a EJA surgiu como um mecanismo de correção, destinado a reparar a negação do direito à escolarização e a oferecer uma nova oportunidade àqueles cujos caminhos educacionais foram interrompidos pelas adversidades sociais e econômicas. Assim, mais do que um simples instrumento de acesso, a EJA se constituiu como possibilidade real de reconstrução de histórias e reafirmação da dignidade.
Entretanto, como aponta Nascimento (2020, p. 44), “a educação de adultos é, antes de tudo, um campo de disputas políticas e simbólicas sobre o que significa o direito de aprender”, o que permite ampliar o entendimento da EJA, se entrelaçou a política e possibilita, portanto, um horizonte de emancipação, fora da mera compensação em torno da desregularidade em torno da formação. Desse modo, a modalidade se firmou como um espaço de expressão de educação formal, mas como um processo de reconquista da vida e de luta pela dignidade humana.
A institucionalização da EJA como política pública exige um olhar sensível à marcas históricas da exclusão social. Para Duarte (2021, p. 59), “a desigualdade educacional brasileira não é uma falha do sistema, mas parte de sua lógica formativa”. Esta verificação implica que as políticas voltadas para jovem e adultos não têm como único tamponar os números do analfabetismo, mas que busquem a justiça da educação cognitiva e da justiça social. Para esses sujeitos, a EJA cumpre o papel de devolver-lhes o direito de pertencimento e de transformação. A educação é, assim, um meio de redefinição da palavra, da voz e da própria história, se encaixando com a ideia freireana de que ninguém se emancipa sozinho, mas juntos com os outros e com o mundo.
A transição da EJA de caráter reparador para emancipador depende da habilidade das políticas públicas reconhecerem a diversidade dos sujeitos que as compõem. Assim, Lima (2019, p. 72) defende que “a EJA é o retrato plural de um país que ainda luta para garantir o mínimo, mas sonha com o máximo da cidadania”. Esta pluralidade exige uma pedagogia que valorize a escuta, a palavra e o respeito ao percurso de cada educando. Com isso, o processo educativo transcende o limite do conteúdo puro e desponta com significado ético e político. A educação deixa de ser um lugar de conformação e passa a ser um ato de resistência, reafirmando a necessidade de políticas que sustentem práticas pedagógicas humanizadoras e transformadoras.
Nas práticas escolares, verifica-se que, para muitos professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA), é um desafio equilibrar as exigências curriculares e as necessidades humanas. Sobre a formação docente, Oliveira (2022, p. 83) assevera que “a formação ainda carece de uma dimensão crítica que a compreenda como isto: o educando como sujeito de direito e potencial criador”. Essa limitação demonstra que, para que a EJA tenha seu caráter emancipatório, é necessário investir em formação continuada, valorização profissional e nas condições do trabalho do educador. Este deve ser compreendido tanto como mediador de experiências quanto construtor de vínculos e capaz de viabilizar aprendizagens significativas ao resgatar dos estudantes o sentido de pertencimento.
A EJA é, para além da dimensão pedagógica, um campo afirmativo político. Mendes (2023, p. 91) considera que “cada sala de aula da EJA é um território de disputa pelo reconhecimento, é ali que o Estado encontra o cidadão em sua forma mais concreta de vulnerabilidade”. Essa ideia revela a urgência de se pensarem políticas públicas integradas que articulem educação, trabalho e cidadania. Emancipar, neste sentido, é, para além de aprender a ler e escrever, compreender e intervir no mundo com consciência crítica. Portanto, a EJA reafirma seu viés de política de reparação e, simultaneamente, de movimento de libertação e resistência.
Os desafios vividos pela EJA permanecem refletindo as desigualdades estruturais do país. Souza (2024, p. 66) reflete que “descontinuidade de políticas e fragmentação dos programas evidenciam a fragilidade do compromisso do Estado com a educação dos adultos”. A alternância entre avanços e retrocessos limita o caráter das ações emancipadoras, fazendo da EJA uma política de sobrevivência e não uma política de projeto social. Portanto, é urgente consolidar a modalidade como política de Estado, capaz de resistir às mudanças governamentais e garantir o atendimento de seus objetivos formativos e humanizadores.
O potencial emancipatório da EJA é alimentado pelas experiências vivenciadas que surgem da relação entre o/a estudante e o coletivo. Sob a ótica de Rocha (2021, p. 78) quem afirma que “Só há transformação verdadeira quando o educando é reconhecido como sujeito que ensina e aprende ao mesmo tempo”. Essa relação horizontal faz da escola, um espaço de partilha e criação em vez de eterno espaço de pré-potência educacional. A vivência educativa se torna, assim, ato político de recriação e recriação de histórias e de identidades. A EJA firma, portanto, o ideal freireano de educação como práxis de liberdade.
Se conclui que a EJA é situada entre o passado a ser restaurado e o presente a ser libertado. A sua importância não reside na dimensão exclusivamente escolar. Ela avança em direção ao campo da transformação social. Da audição, do diálogo e do fazer, a modalidade reconduz-se à construção do instrumento e da possibilidade da justiça social e da emancipação humana. Na totalidade em que é pensada, ela é um projeto de sociedade, um projeto comunitário, um projeto de justiça, de equidade, de reconhecimento e de esperança ativa. Assim, entre a restauração e a libertação, persiste o desafio de se construir uma educação que humanize, que emancipe, que devolva aos sujeitos do sonho e da reescritura do mundo.
2.1. EJA em transição das políticas compensatórias às práticas emancipatórias na construção da cidadania
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se solidificou como um dos cenários mais imbricados e potentes para se examinar a inter-relação entre educação, desigualdade e justiça social em nosso País. Desde seu nascimento, a EJA foi pensada como política de compensação, na intenção de reverter a exclusão dos sujeitos historicamente desprovidos do direito à escolarização. Para Moraes (2020 p. 45) “a EJA nasce como um esforço do Estado em devolver a acessibilidade ao ensino àqueles que lhe foram negados pela lógica excludente da educação formal”. Entretanto, tal proposta – apesar de essencial – apresentou limites ao reduzir o sujeito jovem e adulto a um destinatário da compensação e não ao ator efetivo de sua formação.
Com o avanço das discussões sobre educação e políticas inclusivas, a educação de jovens e adultos (EJA) passou a ser pensada em termos de emancipação, defendendo-se que a educação não deve apenas reparar, mas libertar. Ferreira (2021, p. 62) assevera que “a verdadeira função da EJA deve ser a provocação da consciência crítica do sujeito em relação à sua própria história e à sua condição social, de modo que a educação possa tornar-se um instrumento de autonomia”. Essa mudança de entendimento trouxe à luz o sentido político do aprender, deslocando a EJA do campo das benesses estatais para o campo do direito à educação e das transformações sociais empreendidas a partir dela.
Nesse panorama, as práticas pedagógicas da EJA tiveram que se recriar. O currículo e a metodologia, antes voltadas à aceleração de conteúdos, passaram a buscar o diálogo com as vivências dos alunos, reconhecendo a pluralidade cultural como fonte de saberes. Para Oliveira (2022, p. 78) “a sala de aula da EJA é um território de escuta, porque cada história de vida se torna matéria-prima para o ensino e para a formação cidadã”. Essa valorização da experiência rompe com a linearidade da educação tradicional e dá ao saber popular a legitimidade necessária para o processo formativo.
O caráter emancipatório da EJA se consolida quando o aprender é concebido como questão de política e de sociedade. Santos (2019, p. 84) recorda de que ” a EJA é o lugar onde a educação se encontra com a esperança, na medida em que é possível a reinvenção do sujeito diante da exclusão que lhe toca”. Ao propor práticas pedagógicas críticas e reflexivas, esta modalidade não reconhece o aluno como o que está atraso, mas como aquele que está em movimento, portador de saberes e experiências que precisam ser validadas e articuladas ao conhecimento sistematizado.
Ainda assim, persistem as tensões entre remuneração e emancipação. Fato é que, limitadas fundamentalmente à oferta de vagas e à reposição do conteúdo, as políticas públicas apenas reforçam a visão assistencialista. Gomes 2023, p. 57 assinala que ainda “a EJA continua sendo tratada para muitos gestores uma política de segunda linha, destinada a suprir insuficiências, e não como um campo estratégico da formação humana”. Isso torna o efeito transformador da EJA muito reduzido e ignora o potencial de construção da cidadania ativa.
Por outro lado, existem experiências exitosas que provam ser possível romper com esse modelo. A EJA tem se articulado com movimentos sociais, sindicatos, coletivos nos projetos de base comunitária, ressignificando a aprendizagem como prática de resistência. Nessa direção, Araújo (2021, p.91) evidencia que “quando a EJA se atrelou à luta social, aprender se converteu em um ato de reexistir”. O processo formativo deixa de ser um processo compensatório e torna-se espaço de afirmação identitária.
Além do aspecto político, existe um componente ético imprescindível. Na EJA, a emancipação implica reconhecer o valor intrínseco de cada sujeito e o direito de re-aprender a realidade sob novas perspectivas. Segundo Batista (2020, p. 66), “a EJA emancipa quando o aluno é tratado não pela falta que possui, mas pelo poder que possui”. Assim, a pedagogia deve ser humanizadora, centrada na escuta, na afetividade e na construção coletiva do saber, transcendendo a lógica punitiva que historicamente afastou tantos estudantes das escolas.
Ainda, a transição para a emancipação requer a formação continuada dos professores sensíveis à realidade dos alunos. Lima (2022, p. 73) ressalta que “a docência na EJA requer uma postura dialógica e criativa, capaz de ouvir as trajetórias interrompidas e transformá-las em trilhas de aprendizagem significativa”. O professor torna-se, portanto, mediador das experiências e não apenas repassador dos conteúdos, reinserindo no papel pedagógico e social da EJA um projeto de vida e de cidadania.
Construir uma EJA de fato emancipatória requer que as políticas públicas deixem a retórica e se concretizem em estrutura, formação e continuidade. Ribeiro (2024, p. 49) destaca que “sem políticas permanentes e articuladas, a EJA ficará aprisionada em ações esporádicas e desvinculadas com seu sentido social”. A emancipação educativa só é utópica quando se impõe o compromisso político com a dignidade humana e a aprendizagem ao longo da vida.
Apreender a EJA nesta transição é também compreender a história da educação no Brasil, marcada por disputas, exclusões e esperanças. A modalidade não é um apêndice do sistema, mas o reflexo das contradições sociais e das possibilidades de superação. Como condensa Mendes (2023, p. 82), “a EJA é o espaço em que a educação desempenha seu papel mais nobre: torná-la visível ao invisível e devolver o humano aos que dele foram privados”. Ela é em essência a articulação entre o passado que é preciso repará-lo e o futuro que é construído pela consciência, pela autonomia e pela justiça social.
2.2. Educar para libertar a EJA como espaço de resistência reconhecimento e emancipação social
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se firmou neste país como um campo da resistência e como ofício de afirmação da dignidade humana. Vai além de uma simples escolarização tardia, mas representa a possibilidade de reconstrução de identidades e de pertencimentos. Moraes (2020, p. 41) diz que “a EJA revela a face da desigualdade histórica brasileira, mas também anuncia o poder de transformação social que a educação pode exercer”. Neste sentido, educar jovens e adultos vai além de apenas transmitir conhecimento; é possibilitar a cada sujeito reconhecer-se como protagonista da sua própria trajetória e da sua comunidade.
A pedagogia libertadora que transpõe a EJA decorre da escuta e do diálogo com os saberes da experiência. Santos (2019, p. 67) argumenta que “resistir é quando o aluno é chamado a contar sua história e percebe que sua voz vale algo”. Essa dimensão humanizadora rompe com o silêncio que a exclusão anterior impõe e torna a escola um lugar onde o simbólico e o social se reconstroem. A resistência, nessa circunstância, é política e também afetiva, pois resgata a autoestima e o sentimento de pertencimento.
A perspectiva de educar para libertar, abrange a necessidade de entender a educação como algo coletivo e processual. Ferreira (2021, p. 54) fala que “a emancipação social na EJA se dá quando o aprendizado rompe os muros da escola e se transforma em prática de cidadania”. Assim, o conhecimento se torna instrumento de ação transformadora, permitindo que o sujeito interprete criticamente a realidade e se posicione diante dela. O ato educativo assume, portanto, uma função ética e política, integrando o saber e o viver.
A EJA, ao assumir-se como prática social, revela-se também como espaço de reconhecimento. Oliveira (2022, p. 85) diz que “cada história trazida pelos educandos deve ser considerada um documento vivo de resistência, uma memória que precisa ser conservada e ensinada”. Desse modo, o educador deveria estar atento a esta sensibilidade das trajetórias interrompidas, criando espaço para que a educação seja um espaço também de cura social. Ensinar passa a ser reconhecer o outro como um sujeito de saber, rompendo com a lógica que o classificava apenas pela ausência de escolaridade.
Na EJA, a resistência também é uma luta contra a invisibilidade social. Araújo (2021, p. 98) nos lembra que “educar jovens e adultos é um ato político porque devolve visibilidade àqueles que foram historicamente silenciados”. Isso é libertador, pois traz o sujeito para o centro das decisões sobre a sua vida e o seu futuro. A escola, dessa forma, deve ser um espaço de reexistência, onde a educação é vista como um direito e não como uma concessão. A presença do aluno da EJA traduz, por si mesma, uma resistência e uma esperança.
E no que diz respeito às práticas pedagógicas, tal emancipação se efetiva através do saber construído coletivamente. Batista (2020, p. 74) argumenta que “a emancipação acontece quando o professor deixa de ser a autoridade absoluta para o mediador do diálogo e da descoberta”. A horizontalidade na relação pedagógica provoca o fortalecimento do sentimento de pertença e a desconstrução da hierarquia do saber, fazendo com que a experiência do aluno torne-se uma fonte legítima de aprendizagem. Essa mudança no campo simbólico ressignifica a função do educador e amplia as possibilidades de transformação social.
Assim, a formação do docente é chave nesse processo. Lima (2022, p. 69) aponta que “a prática libertadora exige do professor sensibilidade política e domínio metodológico para perceber a potência que existe em cada história de vida”. O educador de educação de jovens e adultos (EJA) deve reconhecer que sua prática vai além da simples transmissão de conteúdos: é um compromisso com a reconstrução da dignidade e da autonomia dos sujeitos. A formação crítica e humanizadora é o caminho para a superação e a construção de uma pedagogia da resistência.
No cenário das políticas públicas, a EJA deve ser vista como viabilizadora de um projeto de justiça social. Ribeiro (2024, p. 56) nota que “a falta de continuidade e de investimentos na EJA é uma negação do direito humano fundamental: o direito de aprender por toda a vida”. A emancipação acontece somente de modo que as políticas educacionais assegurem estrutura na EJA, valorização dos docentes e envolvimento do tecido comunitário. A aplicação de recursos na EJA se traduz em investimentos na democracia e na cidadania ativa.
A resistência e o reconhecimento que emergem da EJA impõem ao Estado e à sociedade que revisem suas práticas e seus valores. Gomes (2023, p. 63) afirma que “a EJA é um espelho da sociedade que temos e que queremos construir”. A superação das desigualdades educativas passa pela construção da consciência social e pela definição da educação como patrimônio público e inalienável. O compromisso ético-político com os sujeitos da EJA deve, portanto, ser o centro de gravidade das agendas educacionais.
Educar para libertar é, em última instância, educar para a vida. Mendes (2023, p. 79) resume esse ideal afirmando que “a EJA é a via do aprender e do viver, um lugar onde o homem aprende que mudar o mundo possível começa por se entender nele”. A EJA reafirma, assim, sua essência libertadora e humanizadora, sendo um convite permanente à resistência, ao reconhecimento e à construção de uma sociedade mais justa, solidária e democrática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O debate que se desenvolveu nesse estudo sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) procurou verificar se essa modalidade ainda é uma política compensatória ou se ganhar contornos emancipatórios que possam contribuir para a realização da justiça social. Retomar esse debate é relevante, em seus contornos, pois traduz o dilema que permeia a educação brasileira: o direito à aprendizagem como reparação ao invés de direito à aprendizagem como prática de liberdade. A significância dessa pesquisa reside, então, na intenção de compreender até que ponto a EJA pode ser uma resposta para as desigualdades e para a construção de políticas públicas que visam a dignidade e a cidadania.
Os objetivos traçados foram alcançados consistentemente. A análise dos fundamentos teóricos e das políticas educacionais mostrou que, embora a EJA ainda mantenha alguns traços da proposta compensatória, marcada pela correção de caminhos interrompidos, havia neste avanço a identificação da construção de seu caráter emancipatório. Os resultados indicaram que, nas práticas pedagógicas, elas se multiplicam e traduzem um valor de experiências, de diálogo e do protagonismo dos sujeitos. Dessa forma, pode-se afirmar a possibilidade da EJA ser mais do que uma política de reparação: ela pode ser o espaço da reconstrução da autoestima, da consciência crítica e do ato de participação social.
A hipótese foi confirmada em boa parte. O que se constatou foi que a EJA, embora nascida sob os auspícios da compensação, estava, aos poucos, se constituindo em uma política de emancipação. As ações educativas analisadas demonstram que a EJA, quando mediada pelos princípios freireanos e práticas humanizadoras, deixa de ser apenas um mecanismo de correção dos erros do passado e passa a ser uma forma de construção de novas possibilidades de futuro. Essa passagem reforça o papel político e libertador da educação e demonstra que aprender também pode ser um modo de resistir e existir com dignidade.
A metodologia empregada — de natureza bibliográfica e qualitativa — se mostrou apropriada para os objetivos do estudo, possibilitando um olhar interpretativo e crítico sobre o fenômeno. A revisão de literatura, fundamentada em autores contemporâneos, contribuiu para o diálogo entre teoria e prática, favorecendo a compreensão da EJA como espaço de tensão e de potencial emancipatório. Entretanto, é preciso reconhecer que a análise documental e teórica não substitui o olhar empírico, sendo que futuras pesquisas de campo podem ampliar o entendimento da dinâmica real vivenciada por educadores e educandos.
No processo investigativo, algumas limitações foram evidenciadas. A principal diz respeito à falta de dados empíricos que expressassem a diversidade regional e cultural da experiência da EJA no Brasil. Ademais, a ausência de políticas públicas contemporâneas e de registros sistemáticos impossibilitam uma aproximação mais apurada sobre os resultados das práticas realizadas. Tais limitações, no entanto, não desvalorizam os resultados, mas indicam a relevância de pesquisas permanentes e conjuntas que fortaleçam a relação entre a teoria e a prática educativa.
Reconhecer limitações de um estudo é também reafirmar o caráter dinâmico da ciência e da educação. A EJA é um campo em constante mutação, e compreender a sua movimentação e seus bloqueios requer novas aproximações, sensíveis à pluralidade de contextos e de mudanças sociais. Deste modo, esta pesquisa potencializa-se como estímulo a reflexões mais amplas sobre as políticas públicas e as práticas pedagógicas na construção de uma educação equitativa e libertadora.
Sugere-se, assim, que investigações futuras olhem para as experiências bem-sucedidas da EJA nos diferentes territórios, avaliando como as práticas têm incorporado metodologias participativas e freireanas e recomenda-se também o aprofundamento nos estudos de formação docente, voltada à EJA, especialmente quanto às competências socioemocionais e culturais que o educador precisa desenvolver. A inclusão de vozes de estudantes e comunidades pode alimentar significativamente as análises e aproximar a pesquisa da realidade concreta das escolas.
A reflexão desenvolvida neste trabalho permite concluir que a EJA, mais do que instrumento de correção, é um espaço de re-existência e reconfiguração da cidadania. Quando sustentada por políticas públicas justas e por práticas pedagógicas humanizadoras, é capaz de mudar vidas e realidades. A educação, neste sentido, cumpre sua função maior: não só ensinar a ler o mundo, mas também a reescrever o mundo a partir da consciência crítica e da esperança.
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